sexta-feira, novembro 05, 2010

Se aquele Fusca falasse...


Eu tinha 19 anos quando fui passar meu primeiro carnaval em Olinda. Todos os meus amigos se mandaram antes e eu fiquei pra ir depois porque tinha prova de seleção da UnB. Peguei um ônibus Brasília-Recife sozinha e me taquei pro Pernambuco em 36 horas de viagem. Meus pais, óbvio, ficaram apreensivos, mas nada que os surpreendessem tanto, uma vez que eu já tinha feito algumas vezes a viagem por terra para o Piauí. Eu já me sentia super experiente, claro.

Foi um dos melhores carnavais da minha vida. Encontrei meus amigos, conheci uma terra que adotei de coração, recebi a notícia da aprovação no curso de Comunicação da UnB e ainda fui badalar em Porto de Galinhas. Coisa demais pra quem só pensava em curtir uns dias de folia.

Certo dia, um dos amigos me procura afoito:

- Mayra, você tá com passagem de ônibus de volta comprada, não tá? Pra quando?
- Pro dia tal. Por que?
- Me ligaram do trabalho e preciso voltar às pressas e não tem mais passagem pra vender pro dia que preciso. Eu vim de carro com os amigos. Me vende? Você volta no meu lugar.

Sem perguntar muita coisa, completamente desencanada e na pilha de ajudar um brother, topei. Só não perguntei direito quando e como voltaríamos pra Brasília. Feita a boa ação, descubro que a minha vaga era num Fusca. Rá! Por essa vocês não esperavam, né? Nem eu.

Aí eu te digo: foi uma das viagens mais divertidas que já fiz. O "Fucão" deu no couro direitinho e não deu problema nenhum no trajeto. Eu e mais dois amigos, uma barraca guardada no capô-bagageiro e algum dinheiro no bolso. Ah, cabe ressaltar, pouquíssima pressa e quase nenhum compromisso de chegar em casa também. Benditas férias escolares. Bom dizer ainda que eu não tinha carteira de motorista nessa época e que minha única função era dormir no banco de trás ou puxar conversa com o motorista da vez pra que ele não cochilasse. Eficiência pura, rapaz.

Demoramos uma semana e meia pra chegar em Brasília. Oi? Isso mesmo. Saindo de Recife, a primeira parada foi em Maceió. Encontramos um cantinho na Praia de Pajuçara, armamos a barraca na areia e nos aboletamos por alguns dias. Baladas, botecos e muito sol. Depois pegamos o Fusca e seguimos pra Aracaju. A primeira impressão não foi das melhores da capital sergipana. Rolou um choque-Photoshop: o marrom do mar não se comparava ao azul do litoral alagoano. A pessoa fica exigente depois que vira viajante profissional.

E por acaso era aniversário do meu pai. Resolvi ligar pra dar os parabéns:

- Oi pai, feliz aniversário! Tô em Aracaju.
- Aracaju? Mas tem quantos dias que você tá viajando de carro pra Brasília? Já não devia estar chegando?
- Ah, uns 5 dias. Devo chegar em uma semana, eu acho.
- Uma semana, Mayra?? Por que isso tudo? Tá vindo de Fusca por acaso, é? Hahahahaha. (se achando "o piadista")
- Pois é... tô.
- (Silêncio)... Tú-tú-tú-tú-tú-tú-tú-tú-tú...
- (Pensamento) Acho que matei meu pai...

Não, eu não tinha dado muitos detalhes da minha volta. Só avisei o essencial. Pra quê causar pânico, néam? Viagem tranquila, carro bacana, companhia excelente. Qual o problema?? Poucos dias depois falo com mamãe que me avisa que meu progenitor está arrancando os cabelos de preocupação e que liga todo dia pra ela pra saber se eu já cheguei ou dei notícias. Bons tempos aqueles em que não tínhamos celular...

Depois de Aracaju o destino foi Lençóis, na Bahia. Foi paixão à primeira vista! Passeios pela Chapada Diamantina e a descoberta de lugarzinhos incríveis na pequena cidade histórica. Quase abandonamos tudo pra morar lá de vez, num surto meio hippie de ser. Mas todos tínhamos - inclusive eu! Uhuuu! - a UnB nos esperando. O negócio era crescer na vida pra depois comprar uma casa praquelas bandas. Quando se tem 19 anos os planos não têm limite. Aos 30 também não, mas tudo bem.

Cheguei sã e salva em Brasília. Um pouco moída, mas cheguei. Afinal, nem meus 1,58m aguentaram tantos dias dormindo no banco de trás de um Fusca ou dividindo uma barraca Iglu com mais duas pessoas. Ah, não tinha contado que a barraca era pra duas pessoas? Detalhe sem muita importância... Cheguei cheia de histórias pra contar na bagagem, bronzeadíssima e com um pai com alguns cabelos brancos a mais. Achei que eles tinham aprendido como a filha é quando fui, aos 16 anos, de carona num ônibus de estudantes da Música da UnB, pra um encontro da UNE em Ouro Preto. Mas não. O que eu entendi é que eles não vão aprender nunca a conviver com o surto e "insubordinação" (adoro essa palavra!) dos filhos. Talvez eu entenda isso quando tiver os meus.

E essa história toda veio parar aqui porque ontem, indo trabalhar, um Fusca igualzinho àquele vinha ao meu lado no caminho. Ah, as lembranças... as boas lembranças. E a certeza de que só encaro essa viagem de novo num 2.0 com ar-condicionado e hospedagem num hotel limpinho e confortável.

Beijinhos de quem acha que já criou algum juízo depois que fez 30 anos. Ahã.