quinta-feira, outubro 07, 2010

Entre papagaios, escritores e um mestrado


Naqueles tempos em que o Ibama permitia que tivéssemos animais silvestres em casa, eu criava um casal de papagaios. Vim descobrir anos depois que se tratavam de dois machos, o que explicou viverem mais de 10 anos dentro do mesmo viveiro e nunca terem se reproduzido. Diagnóstico equivocado de algum veterinário maluco. Como podem ver, até papagaio gay fez parte da minha vida.

Quando chegaram lá em casa eu devia ter uns 5 anos de idade. Meu pai se encarregou de dar os nomes: Gabriel García Marquez e Margueritte Yourcenar. "Hein?", você diria no meu lugar. Coisa de pai intelectual. Antes que eu precisasse de um curso pra aprender a chamar os bichinhos, ele logo simplificou. Ambos são nomes de escritores consagrados das literaturas colombiana e belgo-francesa, respectivamente, e ficaram mundialmente conhecidos pelos apelidos: Gabo e Margô. O que facilitou muito a minha vida. Pois bem. O Gabo morreu Gabo. A Margô, bem... quando se descobriu que era "o" Margô, era tarde demais pra mudar o nome. Morreu papagaio-travesti mesmo. Foi chamado assim até o último currupaco.

Como eu morava no primeiro andar, os dois aprenderam a repetir tudo o que gritava-se lá embaixo. A começar pelo meu nome que vinha da varanda quando meus pais ou a babá estavam à minha procura. Outros nomes como "porteeeeeeiro" e "puta que pariu", em razão de sempre haver joguinhos de béti (lembram?) ou futebol logo ali, eram repetidamente pronunciados pelos dois louros. Eu entrava no elevador e alguém sempre dizia:

- Você que é a famosa Mayra? A gente sempre ouve seus papagaios. Quais os nomes dos seus bichinhos?

Então a criança aqui enchia o peito, respirava fundo, se concentrava e tirava uma onda, claro:

- Gabriel García Maaaaarquez e Margueritte Yourcenaaaaar. Dois escritores estrangeiros. Já ouviram falar?

Então a porta abria e eu saía com a pompa de pirralha metida. Chamar de "Gabo e Margô" era para os íntimos. Só dentro de casa. E os coleguinhas comentavam: "Esses pais da Mayra são esquisitos, né? Dão papagaios pra ela e batizam com nomes que só eles sabem dizer". Pois é. Era assim mesmo. Fazer o que?

E aí que eu cresci com dois escritores "preferidos" que pra mim nada mais eram que dois papagaios fofos. Assim que pude fui conhecer a obra deles, os escritores. Logo me apaixonei pelo Gabo. Já Margô era histórica demais pro meu gosto. Foi assim que comecei a me interessar por literatura: antes mesmo de aprender a ler. Fiz tudo ao contrário. E hoje sou uma alucinada pelos livros e por isso mesmo agora estou me preparando pra enfrentar o mestrado na UnB em Letras-Literatura. Fui aceita esta semana como aluna especial. De volta às aulas aos livros. Porque papagaio hoje em dia, só se for aquele que a gente solta com uma linha e sobe ao céu com a ajuda do vento.

Beijinhos de quem praticamente aprendeu a falar e a ler com dois papagaios.

6 comentários:

Andréa Valente disse...

mayra,
eu queria conhecer esses......... papagaios......

Mayra Cunha disse...

Se brincar, você conheceu. Ficavam numa gaiola imeeeeensa lá na varanda da 205. Pouco antes de morrerem que os levamos pra fazenda do Dod.

Claudinha disse...

Ai Mayroca...vc é uma figura. Thanks God por ter colocado vc e suas histórias fantásticas no meu caminho!!! Me legram muito o dia.
Beijo pro cê

Diego Iraheta disse...

Adorei a papagaiada!!! =D

Papai disse...

Muito boa a crônica Garbo/Margô. Já nem me lembrava deles. Só esqueceu de dizer que eles aprenderam uma frase antes de todas: "Soooobe, Mayra!"

Wilson Natale disse...

Ahahahahaaaaaaaaa!
Não lhe bastava ter um casal de papagaios. Era preciso ter um casal homo: Um papagaio e um Papagayo!
Deve ter sido traumático sair do Gabo e Margo emplumados para o Gabo e Margo da vida real. (confesso que prefiro o lúdico dos palavrões, currupacos e gritos)...
Quanto ao Gabo emplumado, eu não sei. Mas o Margo de muitas, muitas plumas deve ter sido felizérrimo! Pois todos sabem que quando se pede a um papagaio gay para dar o pé, ele dá tuuudo! ahahahaaaaa!
Vai lá fazer o seu mestrado e, claro, traga os "causos" do seu mestrado para o Milk-shake.
Beijos,
Wilson