quarta-feira, maio 12, 2010

Da série "Recordar é Viver" - I

Quem acompanhou o drama do sumiço do blog nos últimos dias, não deve ter entendido o motivo de tanta agonia e "apego" da minha parte. Afinal, a gente pode criar novos blogs a qualquer momento e começar tudo de novo.

Pois bem. Eu dei mole e não salvei meus textos publicados neste endereço, que existe desde 2008. Seriam 34 textos perdidos! Pra quem pretende um dia criar o próprio site e incluir nos arquivos TODOS os posts publicados desde 2003, era motivo pra pânico, sim!

O blog voltou. Sei lá até quando. Basta o Google cismar de novo e... plim! Ele vai sumir como num passe de mágica. Mas eu já salvei tudo para minha alegria e segurança. E eu ando relendo, reescrevendo e selecionando esses textos publicados em 7 anos de blog. E decidi republicar alguns aqui. Bom pra quem nunca leu e bom pra quem já conhece as histórias se divertir de novo com elas. Bom que assim ouço a opinião de vocês, já que isso tudo pode um dia fazer parte de um livrinho ou coisa parecida. Quem sabe?

Beijinhos.


Texto publicado em agosto de 2005


Entrei no táxi. Ao meu lado, um motorista cinquentão com cara de gente-que-faz começou a puxar papo um sotaque ótimo do nordeste:

- Trabalha no Senado é?
- Trabalho.
- E essa esculhambação toda aí, hein?
(pense numa pessoa doida pra conversar e que não era eu)
- O que que tem?
- Ah, você acha que vai dar em alguma coisa?
- Sei não.
- Vai não, minha filha. Te digo logo. Esse país é muito bagunçado.
- Pois é, né?
(fiz cara de "é comigo???")

E lá se foram diversas teorias sobre o esquema do mensalão, se o Lula sabia ou não de tudo desde o começo, se o PSDB deve ou não ser punido porque descobriram que neguinho recebeu dinheiro lá também, se o Delúbio isso, o Zé Dirceu aquilo...

Escuto Britney Spears começar a cantar e reparo que a música não vem do rádio. Era o som do celular dele, que atende com voz mansa (dirigindo):

- Oooooi, tudo bem? (pelo tom, percebi logo que tratava-se de uma mulher. Homem só fala manso com um rabo-de-saia).

- (...)

- Pois é, querida (bingo!), não deu pra ir ao nosso encontro. Você tá muito brava comigo? (ah, eu ficaria...).

- (...)

- Fica brava não, meu doce de coco. A gente combina de novo e eu prometo que vou. Mas me diz uma coisa... você não tem namorado nem marido meeeesmo, né? Porque na minha terra, lá na Paraíba, o cabra quando encontra o amante agarrado na mulher dele resolve com a peixeira. Aqui é no tiro mesmo. Eu não quero encrenca. (e eu no assento do lado, com cara de finge-que-eu-nem-tô-aqui-viu?)

- (...)

- Tem mesmo não, né? Solteiríssima? Então tá bom. E esse friozinho, hein? Bom pra ficar abraçadinho, tomando um vinho. Mas pode ser uma cervejinha também (e o cidadão olha pra mim e dá uma piscadinha. Eu já sem saber se devia tapar os ouvidos ou fazer um "jóia" pra ele, como quem diz "mandou bem, brother").

- (...)

- Olha meu doce, vou ter que desligar. Estou trabalhando. Te ligo depois tá?

Desliga, olha pra mim e diz:

- Você não concorda?

- Eu?? Com o que?

- Que é um risco esse negócio de conhecer uma pessoa e ela ter um macho
(concordar eu concordo, principalmente quando é um cara lindo, interessante e tem um macho). Já vi muito amante morrer na mão de marido traído. E mulher safada é o que não falta nesse mundo.

- É perigoso mesmo (eu ia dizer o que??? o motorista do táxi tava querendo um conselho emocional...). Mas tem homem safado também...

- Pois é. Eu fui pro bar outro dia e conheci essa moça. Papo vai, papo vem, marquei um encontro com ela. E eu não fui de propósito. Marquei e furei.

- Pôxa. E por que você fez isso com ela?

- Ah, pra ver se ela tava mesmo a fim. Se ela me ligasse brava por conta do bolo, aí eu saberia que vale a pena investir.

- Ah é? Isso é uma estratégia?
(não teve jeito, me empolguei e já tava participando do papo como se fosse a melhor amiga).

- É. Tenho 56 anos e isso sempre funcionou. Mulher é bicho ruim. Ou você maltrata, ou ela não te dá bola (disse isso com a cara mais lavada do mundo).

- Como assim, Bial??? (isso foi uma fala interior com o impacto daquela afirmativa. Fiquei calada, muda, perplexa).

O carro chegou ao destino e eu ainda tava formulando uma das minhas várias teorias sobre a safadeza humana pra dizer praquele senhor-troglodita. Melhor mesmo não ter dado tempo. Ele atiçou meu lado feminista dando a deixa pra eu comprar uma briga. Paguei a conta e desci do carro. Olhei pra trás e dei a língua. Não tinha mais nada que eu pudesse fazer.

Beijinhos de mocinha que não acha que um tapinha não dói. Dói sim. E muito.

7 comentários:

Unknown disse...

Adoreeeei esse post! Eu não tinha lido, valeu a pena visitar o blog. Amiga, to com saudade. Vamos marcar algum coisa? Tenho muito pra contar. Beijos, Lu.

Wilson Natale disse...

Mayra, foi por essa época que eu comecei a acompanhar os seus textos.E lembro bem deste.E,mesmo lembrando, reli e me diverti como se estivesse lendo pela primeira vez.
Só acho que você deveria mudar o título para "Da série "Recordar é Viver" - Tomo I" - Texto I. Afinal, você tem ótimos textos para publicar, pelo menos três tomos.
Vai em frente que atrás vem gente!

Beijins sabor alegria de tardes de autógrafos, de livro que virou best seller.

Mayra Cunha disse...

Oi Lu! Que bom vê-la por aqui!

Wison, não entendi sua proposta do "tomo", confesso! Rsrs

bjs

Wilson Natale disse...

Ahahahahahahaaaa!
Mayra TOMO é ato falho deste historiador. Não é tomo, do verbo tomar, nem do verbo "tomar".
TOMO (pronúncia: Tômo) é a forma clássica de se dizer VOLUME.
Então, mude o título para: "Da série "Recordar é Viver" - Volume I - Texto I (Pois com certeza serão tantos e bons volumes.)
Beijins sabor Saramago, deste que vive a sembolorar-se Patrimônio Histórico e no Arquivo do Estado.

Valquíria disse...

Fico pensando.. tem gente para tudo nesse mundo.. após um bolo, nunquinha que eu ligaria para saber nada do tratante, nem se morreu rss ele, se quiser, manda mensagem lá do além se desculpando rss. Bjokas!

Andre S. J. disse...

Nunca li esse texto. Mas realmente é muito bom.

Esse coroa aí é profissa, hein? Eu entendo o seu lado feminista, mas a tática dele deu certo...

Está faltando mais mulheres como você e a Valquíria aí em cima.

Beijão.

Flávia Magalhães disse...

Amiga, salve os comentários também! Comentários são preciosos, assim como essa história.
Bisu.