Foto-colagem de Sammy Slabbinck |
Quando eu completei 30 anos, uma amiga também
prestes a virar balzaca, me perguntou:
· - E aí, Mayra, sentiu alguma diferença?
A única coisa que consegui pensar e dizer, foi:
· - Sabe quando você dorme de lado e
acorda com uma marca na pele entre os dois peitos? Pois é, aquela linha agora
demora mais pra desaparecer.
Ao fazer 40, fui novamente indagada com a mesma
pergunta, à qual respondi:
· - Lembra daquela linha entre os peitos
de que falei? Esquece. Fazer 40 é se conformar com os cabelos brancos que
começam a dar o ar da graça em todos os lugares do seu corpo, de surpresa, sem
aviso prévio. Eu disse TODOS os lugares do seu corpo. Receba e aceite.
Já se passaram dois anos que completei 40 e hoje
percebo que vai muito além de brigar com fios ou pentelhos brancos que surgem
desavisados. Sim, eu disse “pentelhos brancos”, aquela coisa que causa repulsa,
medo, um certo nojinho, aquela dificuldade vaidosa de admitir que eles existem
e vão insistir em ficar. Eles chegam como aquela prima distante que vem te
visitar pra passar uma semana e nunca mais vai embora. Fazer 40 anos, pra mim,
foi entender que a importância que se dá ao que se diz e ao que se pensa sobre
muita coisa é infinitamente menor ao que se quer da vida. Explico.
Aos 40, eu faço exercício pra não sentir dor e
porque eu finalmente entendi que esse troço faz bem pra minha saúde. Ficar gata
e gostosa é uma consequência. Não que eu esteja gata e gostosa, mas é como eu
me sinto (ponto pros 40!). A gente não precisa mais se preocupar em ser linda,
perfeita e ter a pele maravilhosa pra conquistar ninguém. A gente tem certeza que conquista. Parece que o botão "eu me acho" é acionado e a gente fica se sentindo o último fio de espaguete da
Dama e o Vagabundo. Nem sempre é assim, é claro, mas o ego dá uma inflamada bem boa.
Para ficar parecendo uma boneca, aplicativos te
garantem pele de bebê e vários coraçõezinhos no Tinder (o que, aliás, aos 40,
passa a não ter a menor graça e a porção de paciência pra encontrar alguém com
uma conversa razoável diminui consideravelmente - não há inteligência artificial
que substitua a emoção do ser humano). Eu sou tempo em que Crush era
refrigerante. Pretendente a gente continua ganhando no bom papo, porque “quem
sabe, faz ao vivo”, já diria aquele apresentador dominical.
Com 40 anos eu notei que a vida corre em outro
ritmo. O que antes era imprescindível, torna-se algo que pode esperar. As
prioridades mudam. Aos 30, a gente acha que o tempo urge. Fazemos mil planos
pra vida, pra carreira, pensamos se queremos construir família, ter filhos,
rodar o mundo, sair ou não de casa para morar sozinhos e fazer festa todas as
noites. Decidir largar tudo pra ir morar na praia fazendo artesanato de Durepox
e viver da própria arte não é um impedimento. Pelo menos não era. Quando eu
tinha 30 a gente se permitia muito mais que ficar obcecado em passar em um concurso
público. Não havia tanta preocupação com o tempo (assim como era aos 20).
Aos 40, o direcionamento do foco de uso do tempo
muda e a tomada de algumas decisões passam a ser fundamentais, principalmente
pra nós, mulheres. O relógio biológico bate, a família pressiona, as redes
sociais julgam e aquela que talvez nem fosse uma preocupação, vira um revólver
apontado pra você dizendo “ou dá ou desce, minha filha”. Há que se pensar se
quer ou não engravidar e ser mãe. E se não quiser, haja discurso pronto no gogó
pra justificar sua decisão. Nem o saco do Papai Noel dá conta de tanta cobrança.
Geralmente, as experiências amorosas já se fizeram
e construíram uma parte de quem você é hoje, dentro das realizações e
frustrações (to-do-mun-do já se ferrou nesse quesito, concordam?). A definição
do que “eu vou ser quando crescer” provavelmente já existe. Sempre há a chance
de mudar de ideia, mas o receio de arriscar e os desdobramentos disso fazem com
que aquele córrego necessário não seja pulado. E se pular, você pode se afogar
até mesmo no raso.
Com 40 anos outras coisas se colocam como
primordiais: os aspectos físico, espiritual, psíquico e moral. Não
necessariamente nessa ordem. Ao mesmo tempo que decisões se mostram essenciais,
outras perguntas aparecem (acho que isso prova que estamos vivos, não é mesmo,
minha gente?). Começamos a questionar até a existência do carteiro que não
aparece mais nem pra trazer um boleto. Não, pera, boletos são o mal dos 40!!!
O medo de se dizer “não!” vai se dissolvendo.
Relações vão se firmando como eternas ou encontram sua finitude. Descobre-se
que muitas delas têm um prazo de validade que se define sozinho. E esse período
de transição dos temidos “enta”, nos faz entender que ciclos se fecharem e outros reabrirem são mais que necessários. Porque quem anda em
rodinha que não sai do lugar é hamster. Buda já dizia que o "sofrimento é
opcional mas a dor é inevitável". Aos 40 a gente começa a aprender como lidar
com ela. Ou pelo menos tem disposição pra tentar.
Mas fazer 40 anos não se resume só à medida do
tempo da pele desamassar ou à aceitação de cabelos brancos que surgem. É claro
que cada idade tem seu tempo e seu aprendizado. Aos 20 e aos 30 eu não fiz nem
um terço das reflexões que faço agora. Talvez isso já seja alguma mudança que essa
fase me sinaliza. Tenho certeza que os anos que me aguardam - se eu chegar
muito adiante com essa vida louca que eu escolhi ter até aqui - ainda prometem
muitas emoções. Até lá, a gente capricha no hidratante entre os peitos e vai
aceitando as surpresas do corpo e vai em frente. Porque se com toda
a cama e com toda a lama a gente já chegou até aqui, confiemos em Chico: a
gente vai levando.