quinta-feira, outubro 28, 2010

Não vejo o menor pgoblema!


Eu nunca tive problemas pra falar. Pelo contrário. Comecei a falar aos nove meses de vida (e não parei até hoje, admito) e sempre tive a pronúncia e dicção perfeitas, modéstia à parte. Com os anos eu percebia que muitas pessoas a minha volta não diziam certas palavras com clareza e comecei a prestar a atenção nisso. E foi a tal da língua presa que sempre me impressionou. Ou melhor, língua pguesa.

Tenho primos, amigos e já tive namorado com língua pguesa. E sempre achei bonitinho. Nunca me incomodou. Engraçado é quando eles mesmos começam a se auto-sacanear e aí não tem jeito, o negócio é rir.

Outro dia, conversando no MSN com um amigo com quem tenho tido pouco contato real e nossas conversas têm se restringido ao mundo virtual, percebi que o diálogo escrito começou a se dar assim:

- E aí, vamos lá na Corrida da Cerveja?
- Vamos sim. Que hogas você pguetende chegar lá?
- Hã? Vou tomar um banho e sair. E você?
- Ah, vou tomar um banho também e ligar pgo Andgué que vai comigo.
- Her... beleza. A gente se acha por lá então. Tá levando o celular?
- Tô sim. Vai ser tganquilo da gente se achar. Qualquer coisa, eu te ligo, Mayga.

Agora você imagine a minha cara na frente do computador tentando adivinhar que ele tava escrevendo tal-qual o jeito que ele fala!!! E eu confesso que nunca tinha me dado conta de que ele tinha a língua pguesa de verdade. E nem que meu nome era difícil pra quem tem essa dificuldade. Caí numa gargalhada sem fim. Adoro amigos espirituosos.

E aí tô conversando com uma amiga sobre isso outro dia e ela me diz que a vida "inteiga" ela teve a língua pguesa. Oi? Como assim? Descobri em mim uma grande falta de talento: perceber esse detalhe nas pessoas. Então ela me explica que fez tratamento com fonoaudióloga durante muitos anos e que hoje a coisa só bate mesmo quando ela bebe. Só que quando ela bebe, eu bebo também. Aí a gente fala tudo a mesma língua e fica tudo bem. Ainda assim, digo pra vocês... eu nunca percebi!

Anos atrás, a campanha publicitária pro carnaval de uma dessas cervejas fazia o personagem tomar um gole e dizer: "Que magavilha!". A coisa pegou d'um tanto que passamos o carnaval inteirinho no Rio de Janeiro nos comunicando assim.

- E aí, vamos almoçar onde?
- Em Santa Tegueza, no Sobgenatugal, um restaugante ótimo de fgutos do mar. Uma magavilha!
- Ótimo. Já avisaram pga galega?
- Já. Eles vão pegar o metgô pga vir encontgar a gente e irmos todos de bonde.

Pensa aí que loucura. No meio dessa turma, uma amiga, das mais empolgadas com o novo dialeto, morava numa certa cidade litorânea...

- Onde é que você tá modgando agoga?
- Em Guagapagui, no Espíguito Santo.

Precisa falar mais nada, né? E assim todo mundo se entendia. Que nem a língua do P quando éramos crianças. Só sei que eu acho língua pgesa num charminho, juro. E dependendo da língua, eu até me proponho a ensinar a dar umas aulinhas... Hahahahaha.

Beijinhos de quem sempre conseguiu falar o próprio nome direitinho.

terça-feira, outubro 19, 2010

Da Idade Média aos anos 80 em um beijo



Você se lembra do seu primeiro beijo? Lembra do gosto dele? De como você se sentiu? Lembra-se do frio na barriga cheio de incertezas que tomou conta de você naquele momento?

Pois é. Esses dias, calma e tranquila lendo no conforto do meu lar, fui arrebatada, do nada, por essa lembrança. Mas não foi qualquer lembrança. Eu lia sobre arte na Idade Média pro mestrado e de repente eu senti na boca o gosto do meu primeiro beijo. Foi uma coisa assim tão forte que me desconcentrou. Entendi nada. Saí do Renascimento pra década perdida num pulo. E aí parei pra pensar...

O meu primeiro beijo não foi o mais sensacional do mundo (o de alguém foi?). Primeiro que a gente não sabe o que fazer direito na hora, por mais que ensaie com a língua no antebraço trancada no banheiro (vai dizer que não conhecia essa?). Eu tinha 14 anos e fui pega de surpresa num baile de carnaval. Primeiro... o susto! Depois... a entrega. Quando a ficha cai você nem consegue curtir o momento porque só fica pensando "meu Deus, eu tô beijando!!!!". E é estranho, muito estranho. Ao mesmo tempo em que rola um frisson bacana de estar pulando uma etapa, vem aquela sensação de "eca, como ele baba!".

Na adolescência eu só tinha amigas mais velhas. Por isso, fui uma das últimas a fazer todas as coisas que hoje a gente chama de ritos de passagem. Menstruei, beijei e transei pela primeira vez - necessariamente nessa ordem - depois de todo mundo que me cercava. Ou seja, quando aparecia empolgadíssima pra contar a novidade, elas já estavam voltando com o pão e eu lá indo com o trigo na mão, jurando amizade.

Mas vamos voltar ao meu flashback da semana passada. Eu realmente senti na boca o gosto do meu primeiro beijo, juro pra você. A barriga não gelou e eu nem fiquei de pernas bambas. O que achei engraçado foi a identificação do negócio, o reconhecimento do sabor e, principalmente, a lembrança daquele carnaval. Eu lá, sentada num canto vendo a coroada dançar marchinhas de carnaval e então ele, o bofinho, o garoto que eu sempre olhava, apareceu e pegou na minha mão. Falou pouco, puxou meu rosto e pá!, me agarrou. Sem muito romantismo mesmo. Assim, de supetão. Eu já devia suspeitar que não seria muito diferente disso daí pra frente.

Só que eu tava falando do dia que eu lia sobre Idade Média pro mestrado e que senti o gosto do primeiro beijo no meio da minha sala, de repente. Vejam, eu estava na sala da minha casa. E senti uma saudade daquele dia, daquele clube, daquela inocência, daquele sustinho gostoso. Senti saudade daquela época em que a gente não fazia planos, não criava expectativas e simplesmente esperava alguém largar a vassoura na festa pra te puxar pra dançar quando a voz estridente da Kate Bush anunciava "Wuthering Heights" na vitrola da festinha. E que num leve esfregar nas suas costas e um abraço mais apertado você já travava e pensava "hoje vai rolar, hoje eu desencalho". Aquela inexperiência de ambas as partes, das festinhas descompromissadas, dos garotos que a gente queria que aparecessem e de quando vestíamos nossas saias balonês e usávamos gel New Wave com glitter no cabelo pra arrasar geral.

Senti saudade pela primeira vez, depois de muito tempo, dos anos 80. Daquele período-totalmente-brega e divertido da minha transição de menina pra garota. Do desconforto de lidar com a transformação do meu corpo. Da ansiedade de estar com a cabeça deitada no colo do menino que eu gostava e que nem me dava bola - só pensava em jogar béti e me via como menina só na hora da brincadeira da Salada Mista - pra ver o Cometa Halley passar .

E então eu olhei de novo praquele texto sobre arte medieval, olhei à minha volta e vi a Mayra adulta, a menina que cresceu. O gosto na boca foi embora, ficou a lembrança boa e então eu me servi de uma taça de vinho e brindei sozinha às minhas recordações.

Morar sozinha às vezes dá nisso. E não é que é bom demais crescer e poder lembrar disso de vez em quando?

Beijinhos nostálgicos, com sabor de Baré Tutti-Fruti e do meu primeiro beijo.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Pega na mentira!


Desconfio seriamente de que as pessoas andam mentindo pra mim. E eu não gosto de mentiras. É duro isso, muito duro. É feio ver gente inventando história só pra você acreditar e ficar com inveja.

Por exemplo, que papo é esse de que choveu em Brasília depois de 125 dias de pura seca e calor insano? Não, não choveu. Eu, pelo menos, não vi. E não me venha dizer que caiu um toró daqueles na sua casa certa madrugada. Não caiu. Entendeu? Porque essas chuvas que as pessoas andam inventando por aí teriam dado o ar da graça (viram como eu não acredito mesmo nisso?) quando eu estava dentro do Senado ou dormindo. E não choveu na minha cabeça nem no pára-brisa do meu carro em nenhum momento, digo pra vocês. Portanto, não choveu.

Não satisfeitos em inventar uma chuva pra acalmar os ânimos e dar uma falsa esperança a pessoas como eu, que não aguentam mais o calor, vieram dizer também que choveu granizo outro dia. Não me venham com essa. Aqui na minha terra não caiu gelinho nenhum. Nenhum mesmo. Garanto. E acho de um mau gosto terrível dizerem isso pra mim. Tô aqui numa secura louca (sem trocadilhos, por favor!) e fulano vem contar esmola na minha frente? Onde já se viu? Granizo é mito, não cai em Brasília há muito tempo. E não adianta insistir porque eu sei das coisas.

Então neguinho vira e me diz que presenciou uma tempestade de poeira no Distrito Federal. Hello-ôu? Querem me convencer agora de que rolou uma tempestade em Brasília? Se não chove nem água, como vou acreditar que rolou isso? Ah, fala sério, né? Não aconteceu. Nem de poeira nem de nada. Eu não vi e se não vi, não existiu. Sou tal e qual São Tomé, só acredito vendo. E não adianta me mandar ler o jornal. Jornais também mentem, sabiam?

Enquanto eu ainda tentava procurar pessoas confiáveis neste mundo, buscar um fiapo de esperança, vem a bomba, a mentira-mór, a pior de todas e mais impossível de se acreditar: Brasília tremeu. Ah! Peraí, né? Apela não, meu velho. Terremoto em pleno Planalto Central? Conta outra porque essa foi demais pra mim e eu tô rindo até agora dessa balela. Estava eu linda e contente na UnB assistindo à minha primeira aula como mestranda e ao chegar em casa escutei essa conversa fiada. No way. Vai enganar outro, seu Pinóquio. A única tremida que eu senti foi ao ver aquele gatinho que eu tô interessada passar outro dia na minha frente e falar comigo. E só. Tremida bem boa, por sinal.

Perdi a fé no mundo. Perdi a esperança de acreditar nas pessoas. Até meu pai e minha mãe endossaram todas essas histórias. E o meu irmão!!! Vejam só. Tudo lenda urbana, digo pra vocês. Nada disso aconteceu, porque eu não vi. E se isso tudo for realmente verdade, eu sou o própro anti-Forrest Gump. Uma coisa meio assim... "cadê eu"? Oncotava? Poncoía? Poncofui? Será que tomei a pílula vermelha do Matrix e não me lembro?

Ah, já sei, tava ali esperando o disco voador que, segundo também me contaram, vai pousar no vulcão que fica na beira do Lago Paranoá. Porque ouvi dizer, inclusive, que ele tá pra entrar em erupção a qualquer momento. Ahã. É só o que tá faltando, néam?

Beijinhos incrédulos e com muita raiva de ter perdido tudo isso.

quinta-feira, outubro 07, 2010

Entre papagaios, escritores e um mestrado


Naqueles tempos em que o Ibama permitia que tivéssemos animais silvestres em casa, eu criava um casal de papagaios. Vim descobrir anos depois que se tratavam de dois machos, o que explicou viverem mais de 10 anos dentro do mesmo viveiro e nunca terem se reproduzido. Diagnóstico equivocado de algum veterinário maluco. Como podem ver, até papagaio gay fez parte da minha vida.

Quando chegaram lá em casa eu devia ter uns 5 anos de idade. Meu pai se encarregou de dar os nomes: Gabriel García Marquez e Margueritte Yourcenar. "Hein?", você diria no meu lugar. Coisa de pai intelectual. Antes que eu precisasse de um curso pra aprender a chamar os bichinhos, ele logo simplificou. Ambos são nomes de escritores consagrados das literaturas colombiana e belgo-francesa, respectivamente, e ficaram mundialmente conhecidos pelos apelidos: Gabo e Margô. O que facilitou muito a minha vida. Pois bem. O Gabo morreu Gabo. A Margô, bem... quando se descobriu que era "o" Margô, era tarde demais pra mudar o nome. Morreu papagaio-travesti mesmo. Foi chamado assim até o último currupaco.

Como eu morava no primeiro andar, os dois aprenderam a repetir tudo o que gritava-se lá embaixo. A começar pelo meu nome que vinha da varanda quando meus pais ou a babá estavam à minha procura. Outros nomes como "porteeeeeeiro" e "puta que pariu", em razão de sempre haver joguinhos de béti (lembram?) ou futebol logo ali, eram repetidamente pronunciados pelos dois louros. Eu entrava no elevador e alguém sempre dizia:

- Você que é a famosa Mayra? A gente sempre ouve seus papagaios. Quais os nomes dos seus bichinhos?

Então a criança aqui enchia o peito, respirava fundo, se concentrava e tirava uma onda, claro:

- Gabriel García Maaaaarquez e Margueritte Yourcenaaaaar. Dois escritores estrangeiros. Já ouviram falar?

Então a porta abria e eu saía com a pompa de pirralha metida. Chamar de "Gabo e Margô" era para os íntimos. Só dentro de casa. E os coleguinhas comentavam: "Esses pais da Mayra são esquisitos, né? Dão papagaios pra ela e batizam com nomes que só eles sabem dizer". Pois é. Era assim mesmo. Fazer o que?

E aí que eu cresci com dois escritores "preferidos" que pra mim nada mais eram que dois papagaios fofos. Assim que pude fui conhecer a obra deles, os escritores. Logo me apaixonei pelo Gabo. Já Margô era histórica demais pro meu gosto. Foi assim que comecei a me interessar por literatura: antes mesmo de aprender a ler. Fiz tudo ao contrário. E hoje sou uma alucinada pelos livros e por isso mesmo agora estou me preparando pra enfrentar o mestrado na UnB em Letras-Literatura. Fui aceita esta semana como aluna especial. De volta às aulas aos livros. Porque papagaio hoje em dia, só se for aquele que a gente solta com uma linha e sobe ao céu com a ajuda do vento.

Beijinhos de quem praticamente aprendeu a falar e a ler com dois papagaios.