terça-feira, outubro 19, 2010

Da Idade Média aos anos 80 em um beijo



Você se lembra do seu primeiro beijo? Lembra do gosto dele? De como você se sentiu? Lembra-se do frio na barriga cheio de incertezas que tomou conta de você naquele momento?

Pois é. Esses dias, calma e tranquila lendo no conforto do meu lar, fui arrebatada, do nada, por essa lembrança. Mas não foi qualquer lembrança. Eu lia sobre arte na Idade Média pro mestrado e de repente eu senti na boca o gosto do meu primeiro beijo. Foi uma coisa assim tão forte que me desconcentrou. Entendi nada. Saí do Renascimento pra década perdida num pulo. E aí parei pra pensar...

O meu primeiro beijo não foi o mais sensacional do mundo (o de alguém foi?). Primeiro que a gente não sabe o que fazer direito na hora, por mais que ensaie com a língua no antebraço trancada no banheiro (vai dizer que não conhecia essa?). Eu tinha 14 anos e fui pega de surpresa num baile de carnaval. Primeiro... o susto! Depois... a entrega. Quando a ficha cai você nem consegue curtir o momento porque só fica pensando "meu Deus, eu tô beijando!!!!". E é estranho, muito estranho. Ao mesmo tempo em que rola um frisson bacana de estar pulando uma etapa, vem aquela sensação de "eca, como ele baba!".

Na adolescência eu só tinha amigas mais velhas. Por isso, fui uma das últimas a fazer todas as coisas que hoje a gente chama de ritos de passagem. Menstruei, beijei e transei pela primeira vez - necessariamente nessa ordem - depois de todo mundo que me cercava. Ou seja, quando aparecia empolgadíssima pra contar a novidade, elas já estavam voltando com o pão e eu lá indo com o trigo na mão, jurando amizade.

Mas vamos voltar ao meu flashback da semana passada. Eu realmente senti na boca o gosto do meu primeiro beijo, juro pra você. A barriga não gelou e eu nem fiquei de pernas bambas. O que achei engraçado foi a identificação do negócio, o reconhecimento do sabor e, principalmente, a lembrança daquele carnaval. Eu lá, sentada num canto vendo a coroada dançar marchinhas de carnaval e então ele, o bofinho, o garoto que eu sempre olhava, apareceu e pegou na minha mão. Falou pouco, puxou meu rosto e pá!, me agarrou. Sem muito romantismo mesmo. Assim, de supetão. Eu já devia suspeitar que não seria muito diferente disso daí pra frente.

Só que eu tava falando do dia que eu lia sobre Idade Média pro mestrado e que senti o gosto do primeiro beijo no meio da minha sala, de repente. Vejam, eu estava na sala da minha casa. E senti uma saudade daquele dia, daquele clube, daquela inocência, daquele sustinho gostoso. Senti saudade daquela época em que a gente não fazia planos, não criava expectativas e simplesmente esperava alguém largar a vassoura na festa pra te puxar pra dançar quando a voz estridente da Kate Bush anunciava "Wuthering Heights" na vitrola da festinha. E que num leve esfregar nas suas costas e um abraço mais apertado você já travava e pensava "hoje vai rolar, hoje eu desencalho". Aquela inexperiência de ambas as partes, das festinhas descompromissadas, dos garotos que a gente queria que aparecessem e de quando vestíamos nossas saias balonês e usávamos gel New Wave com glitter no cabelo pra arrasar geral.

Senti saudade pela primeira vez, depois de muito tempo, dos anos 80. Daquele período-totalmente-brega e divertido da minha transição de menina pra garota. Do desconforto de lidar com a transformação do meu corpo. Da ansiedade de estar com a cabeça deitada no colo do menino que eu gostava e que nem me dava bola - só pensava em jogar béti e me via como menina só na hora da brincadeira da Salada Mista - pra ver o Cometa Halley passar .

E então eu olhei de novo praquele texto sobre arte medieval, olhei à minha volta e vi a Mayra adulta, a menina que cresceu. O gosto na boca foi embora, ficou a lembrança boa e então eu me servi de uma taça de vinho e brindei sozinha às minhas recordações.

Morar sozinha às vezes dá nisso. E não é que é bom demais crescer e poder lembrar disso de vez em quando?

Beijinhos nostálgicos, com sabor de Baré Tutti-Fruti e do meu primeiro beijo.

12 comentários:

Mitsuo disse...

"Uhhhn, gostei..."

A primeira fase é só um complemento da segunda!

"Falou pouco, puxou meu rosto e pá!, me agarrou. Sem muito romantismo mesmo. Assim, de supetão. Eu já devia suspeitar que não seria muito diferente disso daí pra frente."

HAHAHAHA

Thays Couto disse...

Me lembro de ter ficado de olho aberto horrorizada que o moleque tinha enfiado a lingua na minha boca e estava enrolando o cuspe dele na minha boquinha inocente! Tipo eca!

Aline Castilho R. disse...

Mayra,

Não canso de elogiar seus textos, eu leria um Livro gigante se vc escrevesse, é uma escrita tão gostosa que nunca cansa...

Dessa vez além de viver o seu momento nostálgico tb me recordei do meu...foi ótimo!!¨

bjs

superlavis disse...

Ah, o meu tem gosto de chuva e foi aos 8 anos com um menino que eu depois namorei! :) Ah, a pessoa começou cedo, aos 8 anos.

Wilson Natale disse...

Ahahahahaaaa!
O Primeiro sutiâ,não usei. Mas o Valisère lembra-me a Patrícia Lucchese (eita coisa boa para se lembrar!)
O meu primeiro beijo foi um beijo AI5 (Proibitivo? Não! É que foi no tempo do tal Ato Institcional mesmo.)Eu tinha 12 anos; era meio "virjo"; dentro do Cine Metro.Eu e M... De repente, "tasco-lhe" um beijo na boca. Foi uma trombada de lábios, bater de dentes - doeu "pacas".Não foi bem um beijo. Foi mais um morder. Mas foi o primeiro. Dele ficou, na lembrãnça,um gosto de saliva quente, sabor Drops Dulcora de hortelã. Tá certo. Foi um beijo mal dado, muuito mal, mas inesquecível.
Até hoje a música da Rita Lee (No Escurinho do Cinema) me faz lembrar disso.Só faltou o Drops ser de aniz...
Beijinhos sabor saudades. Pois saudades é o sabor que fica para sempre.
Wilson

Dedei disse...

kct! mandou muito bem nesse post! Vc tah se superando!

Thalis disse...

Amiga... Realmente muito bom... Nostalgia pura. Pra mim ainda mais, afinal creio que estive em algumas dessas festinhas da vassoura e, certamente, nos jogos de béti. Bjão e continue sempre!

Thalis.

Ana Chalub disse...

cara, o meu também não foi bom, também fiquei com nojinho, e a sensação também é das melhores! vai entender, né?

ah, a música que dava a dica pros meninos chamarem as meninas pra dançar, lá na minha terra, era o tema do karatê kid (aquele do ralph macchio), 'glory of love', do peter cetera. quase tinha um tremelique quando essa música tocava...

adorei o texto! bjocas

Mayra Cunha disse...

mit, eu estava certa!!! kkkkkk!!!

thays, lavis e wilson, as lembranças sempre vão exisitir, sejam boas ou ruins.

aline e dedei, muitíssimo obrigada pelo carinho e elogios.

thalis, querido!!! você SUPER faz parte desse período. não só das festinhas da vassoura como da espera pelo cometa halley no "telefone", lembra??? momentos que não voltam mais. ainda bem que os vivemos!!!

aninha, o repertório é vasto e, confesso, até hoje dá uns arrepios nostálgicos quando ouço uma ou outra música daqueles tempos... rsrsrs.

beijocas.

deubia. disse...

vc estava no dia do meu! numa festinha na garagem da tia bel. vc lembra? rs

Diego Iraheta disse...

Uma salva de vivas aos primeiros beijos aos 14 anos! =)

Mayra Cunha disse...

lembro sim, deubinha, claro!!!! e lembro da família toda olhando da porta da cozinha pra você e débora! hahahahahahaha. eu tinha uns 12 ou 13 anos ali, não era?