Naqueles tempos em que o Ibama permitia que tivéssemos animais silvestres em casa, eu criava um casal de papagaios. Vim descobrir anos depois que se tratavam de dois machos, o que explicou viverem mais de 10 anos dentro do mesmo viveiro e nunca terem se reproduzido. Diagnóstico equivocado de algum veterinário maluco. Como podem ver, até papagaio gay fez parte da minha vida.
Quando chegaram lá em casa eu devia ter uns 5 anos de idade. Meu pai se encarregou de dar os nomes: Gabriel García Marquez e Margueritte Yourcenar. "Hein?", você diria no meu lugar. Coisa de pai intelectual. Antes que eu precisasse de um curso pra aprender a chamar os bichinhos, ele logo simplificou. Ambos são nomes de escritores consagrados das literaturas colombiana e belgo-francesa, respectivamente, e ficaram mundialmente conhecidos pelos apelidos: Gabo e Margô. O que facilitou muito a minha vida. Pois bem. O Gabo morreu Gabo. A Margô, bem... quando se descobriu que era "o" Margô, era tarde demais pra mudar o nome. Morreu papagaio-travesti mesmo. Foi chamado assim até o último currupaco.
Como eu morava no primeiro andar, os dois aprenderam a repetir tudo o que gritava-se lá embaixo. A começar pelo meu nome que vinha da varanda quando meus pais ou a babá estavam à minha procura. Outros nomes como "porteeeeeeiro" e "puta que pariu", em razão de sempre haver joguinhos de béti (lembram?) ou futebol logo ali, eram repetidamente pronunciados pelos dois louros. Eu entrava no elevador e alguém sempre dizia:
- Você que é a famosa Mayra? A gente sempre ouve seus papagaios. Quais os nomes dos seus bichinhos?
Então a criança aqui enchia o peito, respirava fundo, se concentrava e tirava uma onda, claro:
- Gabriel García Maaaaarquez e Margueritte Yourcenaaaaar. Dois escritores estrangeiros. Já ouviram falar?
Então a porta abria e eu saía com a pompa de pirralha metida. Chamar de "Gabo e Margô" era para os íntimos. Só dentro de casa. E os coleguinhas comentavam: "Esses pais da Mayra são esquisitos, né? Dão papagaios pra ela e batizam com nomes que só eles sabem dizer". Pois é. Era assim mesmo. Fazer o que?
E aí que eu cresci com dois escritores "preferidos" que pra mim nada mais eram que dois papagaios fofos. Assim que pude fui conhecer a obra deles, os escritores. Logo me apaixonei pelo Gabo. Já Margô era histórica demais pro meu gosto. Foi assim que comecei a me interessar por literatura: antes mesmo de aprender a ler. Fiz tudo ao contrário. E hoje sou uma alucinada pelos livros e por isso mesmo agora estou me preparando pra enfrentar o mestrado na UnB em Letras-Literatura. Fui aceita esta semana como aluna especial. De volta às aulas aos livros. Porque papagaio hoje em dia, só se for aquele que a gente solta com uma linha e sobe ao céu com a ajuda do vento.
Beijinhos de quem praticamente aprendeu a falar e a ler com dois papagaios.
6 comentários:
mayra,
eu queria conhecer esses......... papagaios......
Se brincar, você conheceu. Ficavam numa gaiola imeeeeensa lá na varanda da 205. Pouco antes de morrerem que os levamos pra fazenda do Dod.
Ai Mayroca...vc é uma figura. Thanks God por ter colocado vc e suas histórias fantásticas no meu caminho!!! Me legram muito o dia.
Beijo pro cê
Adorei a papagaiada!!! =D
Muito boa a crônica Garbo/Margô. Já nem me lembrava deles. Só esqueceu de dizer que eles aprenderam uma frase antes de todas: "Soooobe, Mayra!"
Ahahahahaaaaaaaaa!
Não lhe bastava ter um casal de papagaios. Era preciso ter um casal homo: Um papagaio e um Papagayo!
Deve ter sido traumático sair do Gabo e Margo emplumados para o Gabo e Margo da vida real. (confesso que prefiro o lúdico dos palavrões, currupacos e gritos)...
Quanto ao Gabo emplumado, eu não sei. Mas o Margo de muitas, muitas plumas deve ter sido felizérrimo! Pois todos sabem que quando se pede a um papagaio gay para dar o pé, ele dá tuuudo! ahahahaaaaa!
Vai lá fazer o seu mestrado e, claro, traga os "causos" do seu mestrado para o Milk-shake.
Beijos,
Wilson
Postar um comentário